Janeiro 2018: O Brasil e as turbulências externas e internas

No começo do mês de fevereiro, os mercados internacionais foram subitamente impactados por apreciável aumento da volatilidade, medida por um índice denominado VIX, que, apenas em um dia, acumulou alta de 116,0%. Ao mesmo tempo, as ações das principais bolsas norte-americanas apresentaram as maiores quedas em suas cotações desde 2012, gerando perdas bilionárias.

A análise predominante desse “crash relâmpago” repousa nos efeitos da expectativa do mercado financeiro de maiores elevações das taxas de juros básicas por parte do Banco Central dos Estados Unidos (FED), como forma de compensar a aceleração da inflação. Esta decorreria do repasse a custos dos aumentos mais expressivos de salários, observados numa economia com baixas taxas de desemprego. A perspectiva de maiores juros pagos pelos papéis do Governo norte-americano (Treasuries) levaram a uma venda maciça das ações e títulos mais arriscados, provocando a derrubada de seus preços de mercado.

Se esta correção de preços é algo temporário, apenas um “soluço” do mercado financeiro internacional ou permanente, no contexto de uma política monetária menos distendida por parte das autoridades monetárias dos países desenvolvidos, é algo desconhecido até o momento.

De todo modo, os efeitos dessa maior volatilidade do mercado financeiro internacional sobre a economia brasileira deverão se circunscrever aos comportamentos da Bolsa e da taxa de câmbio, provocando algumas flutuações. Com relação à cotação do dólar, não se espera, porém, que haja mudança brusca de seu atual patamar, pois, em primeiro
lugar, a consolidação do crescimento econômico mundial deverá assegurar o dinamismo atual das exportações, com recuperação dos preços das principais commodities embarcadas.

Em segundo lugar, na medida em que os aumentos dos juros internacionais configurem um processo paulatino, a manutenção de elevada liquidez nos mercados internacionais continuará assegurando importante entrada de capitais financeiros para o Brasil e os demais países emergentes. Em outras palavras, a situação externa continuaria sólida, o que se refletiria em uma taxa de câmbio mais “comportada”.

O que realmente preocupa é nosso cenário interno, com a proximidade de uma eleição presidencial marcada por excessiva dose de incerteza e desencanto geral pela política, cenário fértil para o exercício de “tentações populistas”.

Do ponto de vista econômico, o “sepultamento” da reforma da Previdência contribui para elevar o risco de insolvência fiscal. Mesmo com o aumento da arrecadação, no bojo da retomada da atividade, o Governo brasileiro em todos seus níveis vive uma crise financeira de caráter estrutural, que, não equacionada contribuirá para elevar o risco-país.

Essas duas fontes de risco interno poderiam enfraquecer de forma importante o Real, aumentando a possibilidade de um repasse da maior taxa de câmbio à inflação, o que poderia provocar futuras elevações da taxa de juros por parte do Banco Central, diminuindo a intensidade do crescimento econômico durante os próximos anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANÁLISE DA CONJUNTURA 

1. Moeda, Crédito e Inflação

Dados do Banco Central mostram que, durante 2017, o crédito à pessoa física apresentou lenta recuperação, com alta de 5,2%, acima da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, registrada para o ano (2,9%). A taxa de juros média anual praticada apesar de continua muito elevada (31,9%), é menor do que a registrada em dezembro de 2016 (42,0%).

Em janeiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apresentou nova surpresa baixista, com alta de 0,29%, ante 0,44% registrada no mês anterior. Assim, o IPCA observado em 12 meses acentuou sua desaceleração, elevando-se em 2,86%, seguindo abaixo do limite inferior da meta anual (3,0%). Nesse contexto, o Banco Central voltou a reduzir a taxa de juros básica (SELIC) para 6,75% ao ano.

2. Atividade Econômica e Emprego

Em dezembro de 2017, de acordo com o IBGE, a indústria registrou alta de 4,3%, ante o mesmo mês de 2016. Mais uma vez se destacaram os bens duráveis, cuja produção aumentou em 20,8%, principalmente em decorrência do aumento da fabricação de veículos (25,1%). Também se destacaram aos aumentos nos segmentos de eletrônicos (19,9%) e bens de capital (8,8%). O ano fechou em alta de 2,5% após registrar três anos consecutivas de quedas, acumulando recuo de expressivos 16,7%.

Em igual mês, também segundo o IBGE, houve aumento tanto do varejo restrito (que não inclui veículos e material de construção), como do ampliado (que inclui todos os segmentos), em relação a dezembro de 2016 (3,3% e 6,4%, respectivamente), configurando o nono resultado positivo consecutivo. Durante 2017 houve crescimento de 2,0% e 4,0%, respectivamente, apesar do ritmo de recuperação oscilar bastante e ser muito desigual entre os diferentes ramos do setor. A fraqueza da base de comparação também contribui para a melhora relativa dos resultados anuais.

O setor serviços, ainda de acordo com o IBGE, registrou, em dezembro do ano passado, alta de 0,5%, em relação a igual mês de 2016, primeiro resultado positivo após 32 meses de quedas consecutivas. No acumulado dos últimos 12 meses o declínio perdeu intensidade, alcançando a 2,8%, frente a 3,4% anotado na leitura anterior.

Dados da ACSP/BVS, com base nas consultas efetuadas em janeiro de 2018, registraram altas de 6,8% nas compras parceladas e de 2,5% nas realizadas à vista.

A confiança do consumidor, medida pelo Índice Nacional de Confiança (INC), calculado pelo IPSOS para a ACSP, mostrou, em janeiro, aumento de 4,0%, em relação ao mês anterior. O consumidor segue cauteloso, mas a aversão a compras parceladas continuou diminuindo, alcançando a 65,0% do total de entrevistados.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego, em dezembro de 2017, chegou a 11,8% da força de trabalho, ante 12,0% observada no mesmo mês do ano passado. A massa de rendimentos, que representa a renda auferida no mercado de trabalho, cresceu 3,6%, em
base anual (2,0% na ocupação e 1,6% nos salários).

A taxa de inadimplência da pessoa física, medida pelo Banco Central, recuou em dezembro do ano anterior, frente ao mesmo mês de 2016, alcançando a 3,5% da carteira. O crédito ainda restrito e a cautela na tomada de novos empréstimos mantiveram a tendência de queda da inadimplência.

Por sua parte, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), que se aproxima à prévia do Produto Interno Bruto (PIB), registrou, em dezembro de 2017 e na comparação com o mesmo mês de 2016, elevações de 1,41%, livre de efeitos sazonais, e de 2,14%, respectivamente. O ano de 2017 fechou com crescimento de 1,04%, confirmando as expectativas.

Em síntese, após terminar o ano passado abaixo do limite inferior da meta anual, a inflação oficial (IPCA) inaugurou o presente ano intensificando seu recuo. A perspectiva para fevereiro é continuar num patamar parecido, o que poderia viabilizar mais uma redução da taxa SELIC por parte da autoridade monetária.

Estima-se que a atividade econômica tenha crescido ao redor de 1,0% em 2017. Espera-se que, em 2018, haja aceleração desse crescimento para 3,0%, baseada na recuperação do consumo das famílias e do investimento produtivo, o que deverá impulsionar a produção industrial, notadamente bens duráveis e de capital, além do setor
serviços.

3. Finanças Públicas

Durante 2017, segundo o Banco Central, o Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e Estatais) apresentou excesso de despesas exceto juros sobre as receitas (déficit primário) de R$ 110,6 bilhões ou 1,69% do PIB, cumprindo com “folga” de R$ 52,5 bilhões a meta de déficit primário fixada para o ano (R$ 163,1 bilhões). Além disso, esse
saldo negativo diminuiu 29,0% em relação ao registrado em 2016, que alcançou a R$ 155,8 bilhões (2,5% do PIB).

Essa melhora se explica, por um lado, pelo aumento da arrecadação federal, causada pela recuperação da atividade econômica, principalmente nos casos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do imposto sobre os rendimentos do trabalho, e, por outro, pela geração de receitas extraordinárias relativas ao aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis, às concessões, às privatizações, aos maiores “royalties” do petróleo e, principalmente, decorrentes do novo programa de regularização de dívidas tributárias (PERT).

Além de contar com maior arrecadação, a União cortou despesas não obrigatórias (discricionárias), principalmente os investimentos em infraestrutura, que diminuíram em 30%. Assim, segundo o Tesouro Nacional, no ano passado como um todo, em termos nominais (sem corrigir pela inflação), as receitas líquidas cresceram 5,2%, acima das despesas totais, que se elevaram 2,4%, resultando em superávit primário (excesso de receitas sobre despesas sem incluir o pagamento dos juros) de R$ 64,8 bilhões.

Contudo, esse resultado positivo, que evidencia algum “esforço fiscal”, ficou muito abaixo do déficit da Previdência, que chegou a R$ 182,4 bilhões em 2017, frente ao “rombo” de R$ 149,7 bilhões, observado em 2016. Desse modo, no cômputo geral, o chamado Governo Central (Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) mostrou déficit primário de
R$ 119,4 bilhões, enquanto houve saldo positivo de R$ 8,8 bilhões no caso dos estados, municípios e suas empresas estatais.

Por sua vez, ao longo do ano passado, o pagamento dos juros da dívida pública chegou a R$ 400,8 bilhões (6,1% do PIB), recuando em relação a 2016, quando os gastos financeiros alcançaram a R$ 407 bilhões (6,5% do PIB), basicamente em decorrência da redução da taxa de juros básica (SELIC). As operações de swaps cambiais também
contribuíram para esse recuo, porém de forma menos importante, devido à menor utilização desse tipo de contrato.

Somando-se o resultado primário do Governo Consolidado com essas despesas financeiras, obtém-se o resultado nominal, que, em 2017, foi de R$ 511,4 bilhões (7,8% do PIB), abaixo do anotado em 2016 (R$ 562,8 bilhões ou 9,0% do PIB), mas ainda assim muito elevado para os padrões internacionais. Esse excesso de despesas públicas em relação às receitas termina por elevar o grau de endividamento púbico de forma contínua, fechando o ano passado em 74,0% do PIB, 4 pontos percentuais acima do registrado em 2016.

Apesar dos resultados fiscais do ano passado terem sido bastante melhores que aqueles observados em 2016, a situação fiscal brasileira segue sendo o principal fator de risco, do ponto de vista econômico. O Governo não consegue nem sequer pagar os juros da dívida que vai gerando para financiar seu padrão excessivo de despesas.

Do ponto de vista do curto prazo ou conjuntural, a tendência é de melhora na situação fiscal, principalmente pelo lado dos aumentos da arrecadação, no bojo da recuperação da atividade econômica. Porém, o problema de fundo da solvência do setor público é muito mais estrutural, pois tem uma estrutura rígida de despesas majoritariamente obrigatórias.

A mais importante dessas despesas obrigatórias é, sem sombra de dúvida, aquela destinada a pagar os benefícios previdenciários públicos e privados. Enquanto não for realizada uma reforma em nosso generoso e injusto sistema previdenciário a “conta não vai fechar”, e seguiremos a marcha para a insolvência fiscal, comprometendo tanto a
recuperação da economia como as possibilidades futuras de crescimento.

4. Setor Externo

O saldo recorde registrado pela balança comercial em 2017, no valor de US$ 63 bilhões, ajudou a reduzir significativamente o saldo negativo (déficit) das contas externas, apesar do aumento dos gastos com serviços, em relação a 2016, de US$ 30,4 bilhões para US$ 33,9 bilhões. Assim, a conta “transações correntes”, que registra o comércio de mercadorias e serviços do Brasil com os demais países, teve seu déficit reduzido de US$ 23,5 bilhões, em 2016, para US$ 9,8 bilhões, em 2017, o melhor resultado alcançado nos últimos dez anos.

A maior parte das contas das rubricas Serviços e Rendas registrou crescimento do déficit em 2017, na comparação com o ano anterior. Entre elas destacaram-se os gastos de brasileiros em viagens ao exterior (US$ 19 bilhões, acréscimo de 31,0%), a remessa de lucros e dividendos de empresas estrangeiras a suas matrizes no exterior (US$ 21 bilhões, acréscimo de 8,0%) e as despesas com transportes de mercadorias (US$ 5 bilhões, acréscimo de 33,0%), estimuladas pelo começo da recuperação econômica e pela manutenção do câmbio em patamar relativamente estável durante o ano passado.

De outro lado, as remessas para pagamento de juros (US$ 21,8 bilhões) ficaram no mesmo patamar do ano passado e as despesas com aluguel de equipamentos (US$ 16,8 bilhões) tiveram uma redução de 14,0%, em decorrência do baixo nível de investimentos no país. Na conta financeira do balanço de pagamentos, houve ingresso líquido de investimentos diretos no país no montante de US$ 70,3 bilhões, menor valor dos últimos quatro anos, porém, mais do que suficiente para cobrir o déficit total das contas externas.

Apesar dessa queda, o Banco Central projeta um crescimento dos investimentos estrangeiros para um montante de US$ 80 bilhões em 2018. Já em janeiro, o fluxo cambial (saldo de entrada e saída de moeda estrangeira do país) iniciou o ano com saldo positivo de US$ 8,1 bilhões, impulsionado principalmente pelo forte ingresso de recursos pela conta financeira, por onde passam investimentos diretos no país, que registrou superávit de US$ 5,5 bilhões, maior resultado desde outubro de 2016.

Considerando apenas o fluxo de mercadorias, a balança comercial continuou apresentando forte superávit no primeiro mês do ano, de US$ 2,8 bilhões, o melhor resultado da série histórica para os meses de janeiro. As exportações também alcançaram resultado recorde para o período, totalizando US$ 17,0 bilhões, enquanto as importações somaram US$ 14,2 bilhões, aumentos de 13,8% e 16,4%, respectivamente, na comparação com o mesmo mês de 2017.

As exportações tiveram crescimento tanto em relação aos preços (0,81%) quanto às quantidades (12,9%), destacando-se os embarques de aviões (474,0%), óleos combustíveis (323,0%), maquinas para terraplanagem (171,0%), açúcar refinado (294,0%), milho em grão (92,4%), entre outros produtos. O mesmo ocorreu com as importações, cujo volume cresceu cerca de 10,0% em relação a janeiro de 2017, sobressaindo-se o valor das compras de combustíveis e lubrificantes (96,3%), de bens de consumo (19,2%), de bens de capital (11,4%) e de bens intermediários (5,8%).

Ainda com relação às exportações, a indústria automobilística bateu recorde de vendas para o exterior, embarcando 47 mil veículos em janeiro deste ano, 23,6% a mais em relação ao mesmo mês de 2017. Em valores, somaram US$ 1,03 bilhão, aumento de 26,0% na mesma base de comparação, sendo que mais da metade dos veículos foram destinados
ao mercado argentino, conforme dados divulgados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea).

O crescimento econômico dos nossos principais parceiros comerciais e, internamente, a relativa estabilidade do câmbio, têm sido causas importantes dos bons resultados alcançados pelo comércio exterior brasileiro em 2017. Em janeiro deste ano, no entanto, a taxa cambial sofreu forte oscilação, fechando o mês com o dólar valendo R$ 3,16,
uma depreciação da moeda americana de 4,4%, sem intervenção do Banco Central no mercado.

A depreciação do dólar em relação à moeda brasileira é atribuída à condenação, em 2ª instancia da Justiça, do ex-presidente Lula, que, se ficar impossibilitado de concorrer à eleição presidencial, maior será a chance de prosseguimento das reformas econômicas de que o país precisa. Entretanto, nos últimos doze meses, a moeda americana continua tendo uma pequena valorização nominal, de 1,1%, em relação ao Real.

Sintetizando, as contas externas, considerando o fluxo de mercadorias e de serviços entre o Brasil e os demais países, continuam apresentando resultados auspiciosos nos últimos anos, por conta dos superávits da balança comercial. Em janeiro de 2015, no começo da recessão econômica, elas registravam um “rombo” de US$ 103,2 bilhões (-4,3% do PIB) e, em apenas três anos, esse déficit caiu para US$ 9,8 bilhões (-0,48% do PIB), período que a economia apresenta sinais de recuperação.

Mesmo que em 2018 o déficit volte a crescer, em decorrência do menor saldo previsto para a balança comercial (em torno de US$ 50 bilhões), não haverá nenhum risco de deterioração das contas externas, que continuam sendo financiadas com muita folga pela entrada de capitais estrangeiros no País.

Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal