Maio 2018: Greve, Confiança e Recuperação

A greve dos caminhoneiros, deflagrada no final do mês de maio, ao bloquear a livre circulação de insumos e mercadorias pelo principal modal de transporte da economia brasileira, afetou negativamente a produção industrial, as vendas do varejo e o volume comercializado de serviços tanto neste mês, como, pelo menos em parte de junho. No caso particular da criação de animais, o prejuízo direto causado pela greve foi bilionário, com a morte de milhões de aves e suínos. Estima-se, contudo, que esses efeitos negativos devam se diluir ao longo dos próximos meses, podendo haver até “devolução” de resultados adversos nas próximas leituras.

Outro efeito dessa injustificada e indiscriminada paralização, ao provocar restrições de oferta, foi gerar fortes aumentos dos preços de alimentos e da gasolina, provocando aceleração dos índices de preços em maio, que também deve se estender ao mês seguinte, levando a inflação oficial (IPCA) dos últimos 12 meses terminados em junho muito próxima da meta anual (4,5%). Também se espera que esse maior nível de inflação seja passageiro, uma vez que os “núcleos”, ou seja, o aumento de preços, excluída a influência dos alimentos e energia têm se mantido estáveis.

Contudo, infelizmente, as consequências da greve, principalmente no que tange à reação do Governo, produzirão efeitos negativos que tendem a manter-se, no mínimo, até o final deste ano. O Planalto mostrou fraqueza e inaptidão ao lidar com a crise, esfacelando o pouco capital de confiança de que dispunha, concedendo importante subsídio ao diesel, frente à crítica situação fiscal vivida pelo País.

A consequente sensação de “desgoverno” e o sinal emitido de que as autoridades máximas da Nação poderiam ceder às pressões de outros grupos organizados, que lutam por seus interesses particulares, provocou queda expressiva na confiança dos empresários, segundo as últimas sondagens da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Esse “mergulho” da confiança do empresariado, face à grande incerteza eleitoral vivida, significará menor produção e menos investimentos futuros.

Além disso, o tabelamento dos fretes, política extemporânea, que faz o País regredir absurdamente ao tempo do congelamento de preços, aumentará os custos de transporte da agropecuária e da indústria, reduzindo tanto sua produção vendida no mercado interno, como aquela que se destina à exportação.

Esses impactos negativos sobre a atividade produtiva deverão redundar em menor geração de postos de trabalho, mantendo o desemprego elevado, diminuindo a velocidade da recuperação do consumo, outro grande “motor” do crescimento econômico brasileiro.

Precisamos de um Governo que trabalhe para reduzir o “Custo Brasil”, e isso não se conseguirá com aumentos atabalhoados e injustificados de intervenção estatal nos setores produtivos, e sim com a realização de reformas estruturais que aumentem a capacidade de crescimento da Nação no longo prazo.

 

Análise da Conjuntura

 

1. Moeda, Crédito e Inflação

Segundo o Banco Central, em maio, o crédito à pessoa física segue em lenta recuperação, com alta, em 12 meses, de 7,8%, acima da inflação, medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, registrada para o mesmo período (2,9%). Apesar da taxa básica (SELIC) continuar em seu nível mínimo histórico, o custo médio do crédito concedido à pessoa física segue em patamares elevados (31,4% ao ano), enquanto a inadimplência segue estável (3,6%).

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM) manteve a taxa SELIC em 6,5%, sinalizando que a aceleração da inflação, causada em grande parte pelos aumentos dos preços dos alimentos e da gasolina, em decorrência da paralização dos transportes, deverá ser passageira.

De fato, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA acelerou entre abril e maio, passando de uma alta de 0,2% para 0,4%, respectivamente,levando a um aumento da inflação registrada em termos anuais (12 meses), que alcançou a 2,86%, ainda abaixo do limite inferior da meta (3,0%). O IPCA-15 de junho, que representa a prévia do resultado mensal, “saltou” para 1,1%, o maior aumento desde 1995, também mostrando alta mais intensa em 12 meses, que alcançou a 3,7%.

 

2. Atividade Econômica e Emprego

O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre do ano, segundo o IBGE, apresentou alta em relação a igual período do ano passado, de apenas 1,2%, confirmando
a perda de intensidade da recuperação da atividade econômica.

Também de acordo com a mesma instituição a indústria cresceu 8,9% durante abril, em relação a igual mês de 2017, acima das expectativas de mercado, destacando-se a expansão da produção de bens duráveis e de capital. Grande parte do resultado se explica pela existência de três dias úteis adicionais.

No mesmo período, o varejo restrito (que não inclui veículos e material de construção), segundo o IBGE, cresceu apenas 0,6%, principalmente em função do
crescimento nulo das vendas de supermercados, afetadas negativamente pelo fato de a Páscoa ter sido celebrada em 2017 no mês de abril, o que elevou a base de comparação. Por sua vez, o varejo ampliado (que considera todos os segmentos) apresentou elevação de 8,6%, impulsionada pelo forte aumento das vendas de veículos, beneficiadas por melhores condições de crédito.

Por sua parte, dados da ACSP/BVS referentes às consultas de CPF para concessão de crédito efetuadas em maio já mostram os efeitos da paralização dos transportes, ocorrida no final do mês, levando a uma queda de 1,7% no mês, interrompendo uma sequência de 12 altas consecutivas.

O setor serviços, ainda de acordo com o IBGE, mostrou, em abril, a primeira alta, em relação ao mesmo mês do ano passado (2,2%), destacando-se o desempenho dos
transportes e serviços profissionais administrativos.

A confiança do consumidor, medida pelo Índice Nacional de Confiança (INC), calculado pelo IPSOS para a ACSP, registrou aumento de 8,8% em junho, em relação ao
mesmo mês de 2017. Esse aumento se explicaria pelos efeitos positivos da redução da taxa de juros que enfrenta o consumidor, que, apesar disso, ainda se mantém cauteloso.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego, em abril, alcançou a 12,9% da força de trabalho. A massa de rendimentos, que representa a renda auferida no mercado de trabalho, registrou leve alta de 2,4%, em base anual (1,7% na ocupação e 0,8% nos salários). Esses resultados representam pequeno ganho de poder aquisitivo para as famílias.

Finalmente, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), que se aproxima à prévia do Produto Interno Bruto (PIB), em abril, avançou 3,7% frente ao mesmo mês de 2017, refletindo os bons desempenhos da indústria e do varejo amplo.

Em síntese, os dados de abril sugeriam que a recuperação ganhava tração. A paralisação de transportes deverá afetar negativamente o desempenho da atividade
durante os meses de maio e junho. Parte desse efeito deverá dissipar-se ao longo dos próximos meses, porém os maiores custos de transporte decorrentes do frete mínimo deverão reduzir as possibilidades de crescimento da economia durante 2018.

Por sua vez, o “salto” sofrido pelo IPCA em maio, e que deverá se intensificar em junho, também devido à greve, parece não haver alterado de forma importante a trajetória da inflação para o ano como um todo.

 

3. Finanças Públicas 

De acordo com o Banco Central, o Setor Público Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) apresentou, em abril e no acumulado do ano, superávits
primários (excessos de receitas sobre despesas não financeiras) de R$ 2,9 e R$ 7,3 bilhões, respectivamente. Nos últimos doze meses terminados em abril, contudo, observa-se um resultado negativo (déficit primário) equivalente a 1,8% do PIB, maior do que o anotado na leitura anterior (1,6% do PIB).

Tanto os resultados do mês como do primeiro quadrimestre estão distorcidos pela antecipação do pagamento de precatórios e sentenças judiciais em relação ao cronograma do ano passado, que terminam por aumentar os gastos. De todo modo, o resultado mensal se explica fundamentalmente pelo saldo positivo obtido pelo Governo Central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central), que alcançou a 5,4 bilhões, enquanto os estados e municípios e as estatais, tomados em conjunto, apresentaram resultado negativo de R$ 2,5 bilhões.

O saldo positivo gerado pela União decorre do crescimento da arrecadação vinculada à atividade econômica e aos programas de refinanciamento de dívidas tributárias,
apesar da pressão exercida pelas despesas obrigatórias, principalmente aquelas vinculadas a pessoal e benefícios previdenciários. Segundo o Tesouro Nacional, no período janeiroabril, as receitas líquidas totais cresceram 7,4% em termos reais (corrigidos pela inflação – IPCA), enquanto os dispêndios totais aumentaram em 13,9%. Note-se que, excluído o efeito dos precatórios, a elevação desses dispêndios teria alcançado apenas 3,0%, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Com relação ao pagamento dos juros da dívida pública, no acumulado de 12 meses, essas despesas financeiras alcançaram a R$ 380,9 bilhões em abril, o que corresponde a 5,7% do PIB, mesmo patamar observado em março.

Somando-se essas despesas anteriores com o resultado primário do Governo Consolidado, obtém-se o resultado nominal, que foi negativo (déficit nominal) no mês, no
quadrimestre e no acumulado de 12 meses, correspondendo neste último caso a R$ 499,3 bilhões (7,5% do PIB), acima do anotado na leitura imediatamente anterior (7,4% do PIB). Como o Setor Público Consolidado não consegue gerar receitas suficientes para pagar suas despesas, seu grau de endividamento segue aumentando, chegando, por primeira vez, a mais de R$ 5 trilhões (75,9% do PIB).

As perspectivas para o ano continuam apontando para o cumprimento da meta fiscal de déficit primário de R$ 161,3 bilhões, apesar das despesas adicionais inesperadas, decorrentes da redução do preço do diesel e da alteração da frequência dos seus reajustes, concedidos pelo Governo, para pôr término à paralização dos caminhoneiros.

Contudo, a situação fiscal brasileira continua sendo muito preocupante, apesar da aprovação da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um ”teto” para o crescimento das despesas da União. Sem a realização da reforma da Previdência, será virtualmente impossível estabilizar, e, posteriormente reduzir o nível de endividamento do setor público, demasiado elevado para que se garanta a solvência futura das contas públicas.

 

4. Setor Externo 

As cotações do dólar dispararam no mês de maio, levando o Banco Central a reforçar sua atuação no mercado cambial, aumentando a oferta de swaps cambiais, o que equivale à venda de dólares no mercado futuro. No entanto, essa forte intervenção no mercado não impediu que a moeda americana fechasse o mês valendo R$ 3,74, aumento de 15,5%, nos últimos doze meses.

Essa instabilidade reflete as incertezas que ocorrem no mercado global e no mercado doméstico. Externamente, a causa principal é a expectativa de aumento da taxa
de juros nos Estados Unidos que, valorizando o dólar, provoca a fuga de capitais financeiros dos países emergentes, afetando suas moedas, inclusive a do Brasil. No plano interno, a fragilidade da recuperação econômica e as incertezas quanto às eleições presidenciais completam o quadro de volatilidade do câmbio, que foi agravado, no final do mês, pela greve dos caminhoneiros, que desarticulou grande parte da produção e abastecimento de mercadorias no país.

O movimento grevista atingiu também os portos brasileiros, interrompendo o fluxo de mercadorias, em prejuízo do comércio exterior, tanto do lado das exportações, como das importações. Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), apesar de as vendas externas terem crescido no mês de maio, o desempenho delas nas duas últimassemanas do mês, calculadas pela média diária, teve uma retração de 36,0%, quando comparadas com as três semanas anteriores.

Em maio, apesar da paralização, o saldo da balança comercial foi de US$ 6,0 bilhões, terceiro melhor resultado para o período, com as exportações totalizando de US$ 19,2 bilhões e as importações US$ 13,2 bilhões, crescimentos de 1,9% e 14,5%, respectivamente, em relação ao mesmo mês do ano passado.

Esse resultado positivo se deve ao desempenho dos embarques de produtos básicos (US$ 10,9 bilhões), valor 18,4% maior do que o registrado em maio do ano passado. O destaque foi para as exportações de soja, cujas vendas atingiram 12 milhões de toneladas, um recorde histórico, e cujos embarques não foram atingidos pela greve, porque existia grande estoque do produto no interior dos portos.

A paralização atingiu mais diretamente os produtos manufaturados (US$ 5,4 bilhões) e semimanufaturados (US$ 2,4 bilhões), cujas vendas para o exterior caíram,
respectivamente, 17,3% e 9,5%, relativamente a maio de 2017, por serem mais dependentes do transporte rodoviário.

No acumulado do ano, a balança comercial registrou um superávit de US$ 26,1 bilhões, como resultado de exportações no valor de US$ 93,6 bilhões, e importações que
somaram US$ 67,5 bilhões, valores 6,5% e 14,6% maiores do que os verificados nos primeiros cinco meses do ano passado, respectivamente.

Os saldos comerciais continuam mantendo as contas externas praticamente equilibradas. A conta “transações correntes” do balanço de pagamentos, que considera
todas as transações comerciais, de serviços e rendas do país com o resto do mundo, acumulou um déficit de US$ 2,6 bilhões entre janeiro-abril deste ano, inferior ao registrado no mesmo período do ano passado (US$ 3,5 bilhões).

No acumulado dos últimos doze meses, o déficit das contas correntes foi de US$ 8,9 bilhões, representando apenas 0,43% do PIB, coberto com grande folga pela entrada de investimentos diretos no país, que, no mesmo período, atingiu o montante de US$ 61,7 bilhões. Segundo relatório mundial de investimentos, publicado recentemente pela Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o Brasil passou de sétimo a quarto país a atrair mais investimento direto estrangeiro, em 2017, sendo superado apenas por Estados Unidos, China e Hong Kong.

Sintetizando, a greve dos caminhoneiros impediu que o comércio exterior brasileiro alcançasse cifras maiores no mês de maio, afetando, sobretudo, a exportação de produtos manufaturados, que mais depende dessa modalidade de transporte até os portos. Não impediu, todavia, que a balança de comércio, devido principalmente aos embarques de produtos básicos, como a soja, continuasse apresentando saldos positivos robustos, ajudando a manter o equilíbrio das contas externas.

Quanto à expressiva valorização do dólar, se mantida nesse novo patamar, deverá aumentar a competitividade ou rentabilidade dos produtos brasileiros, tanto no mercado externo, como no mercado doméstico, frente aos produtos estrangeiros. De outro lado, exercerá pressões inflacionárias no país, quer pelo aumento dos preços em moeda local dos produtos importados, quer pelos preços no mercado interno das commodities, que acompanham as cotações desses produtos no exterior.

Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal