Nos 80 anos da Segunda Guerra Mundial, COCCID enaltece pracinhas

O Comitê de Civismo e Cidadania (COCCID), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), reuniu-se na tarde de ontem (20), na Plenária da Casa, para debater a “Memória Histórica dos 80 anos da Segunda Guerra Mundial”, com a participação dos convidados: Cristina Pelegrini Feres, mestre em História Social; Aristides Almeida Rocha, professor emérito da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e memorialista do esporte; e Lisindo Roberto Coppoli, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP).

“Com este evento, traremos à tona a nossa história, e espero que a gente, como Nação, possa sempre se lembrar de nossos heróis”, declarou Edimara de Lima, membro do COCCID, que presidiu e conduziu interinamente a reunião, representando o presidente Samir Nakhle Khoury em viagem ao exterior.

Após abertura oficial do evento, com execução do Hino Nacional e declamação do poema “A Balada do Soldado Batista”, de Cecília Meirelles, Edimara passou a palavra à primeira palestrante convidada, profa. Cristina Feres, autora do livro “A Dupla Face da Guerra – A FEB pelo olhar de um prisioneiro”, baseado no diário do cabo Waldemar Reinaldo Cerezoli.

Em suas pesquisas voltadas à imigração italiana e à atuação da FEB na Segunda Guerra, Feres contou que os 40 pracinhas entrevistados confidenciaram a decepção com a falta de reconhecimento do papel que tiveram no conflito mundial. “Eles foram [à guerra] como soldados, mas voltaram como meros civis”, explicou, complementando que há, no Brasil, um “silenciamento do papel dos combatentes” e que vigora no País uma característica de “desconstrução de seus heróis”. Ela ainda acrescentou que “a FEB não faz parte da memória nacional”, esclarecendo que essa memória sobrevive por intermédio do trabalho das famílias dos soldados. "Ainda há 42 ex-combatentes vivos, com idade entre 99 e 107 anos", registrou.

A pesquisadora apontou também que esse silenciamento da FEB na memória coletiva nacional se deve a dois possíveis fatores: em primeiro lugar, a guerra não era nossa, e, em segundo, a desmobilização dos pracinhas na Itália, que foram proibidos de registrar seus feitos em diários e de trazer provas materiais. Mesmo com essa proibição, Waldemar Reinaldo Cerezoli, um prisioneiro de guerra, registrou sua história e experiência vivenciadas na segunda Grande Guerra e apontou suas “datas inesquecíveis” entre os dias 02 de outubro de 1941, quando foi sorteado para o Exército, até 10 de agosto de 1945, momento de sua baixa e retirada da farda.

Feres apresentou o número do contingente de expedicionários por estado, que totalizou 25.334 pracinhas, sendo os estados de São Paulo (3.889), Minas Gerais (2.947) e Rio de Janeiro (1.942) os que concentravam mais soldados. E mostrou também que, das 467 mortes, 60 delas foram ocasionadas por acidente no campo de batalha, e houve um total de 35 prisioneiros brasileiros. Ela continua com os dados, informando 1.577 feridos em combate; 1.027 acometidos por doenças infectocontagiosas; 1.012 com doenças venéreas; mas uma interrogação quanto ao contingente de sequelados psicologicamente e suicídios.

Segundo Feres, o soldado Cerezoli, bem como muitos dos que retornaram ao Brasil, possuíam algum tipo de sequela psicológica, como ela pôde identificar em uma de suas pesquisas à documentação do Acervo do Exército. Nela, uma avaliação psíquica do referido pracinha apontou que ele padecia de “crises de choro frequentes, tremores, perda dos sentidos e sem condição de trabalhar”.

“Esse é o triste quadro que sobrou da FEB, retratado por artigos e reportagens de jornais da época”, sinalizou a pesquisadora, projetando alguns recortes de  periódicos daquele período, como o do jornal A Manhã, de 03 de junho de 1951: “Vivem como párias dormindo nos bancos dos jardins e na areia das praias”; Diário da Noite, de 14 de agosto de 1954: “Enlouqueceu o ex-pracinha: vítima de neurose de guerra incendiou os móveis e as roupas dos parentes”; Diário de Pernambuco, de 03 de junho de 1956: “Mais uma vez o ‘pracinha’ tentou acabar com a vida: vítima de neurose de guerra Humberto Pontas de Andrade – Intervenção da Polícia”.

Para amenizar esse apagamento histórico dos pracinhas, Cristina Feres conseguiu que fosse expedida a Medalha Serviço de Saúde FEB para Waldemar Cerezoli, in memoriam, a qual foi entregue, ao final de sua apresentação, nas mãos do neto do ex-soldado, João Paulo Marigo Cerezoli.

Na sequência, foi a vez de Aristides Almeida Rocha apresentar, em formato de homenagem, alguns jogadores de futebol que estiveram na Segunda Guerra Mundial, entre eles: Adelino Gonçalves Torres, Altevir João Stello, Perciliano Afonso, Henrique Fernandes Torquato, Ephigênio de Freitas, Ayrton Merlin, entre outros. Todos atletas de pequenos e grandes clubes brasileiros, como, por exemplo, o Coritiba, Botafogo e Cruzeiro do Sul.

Ele ainda expos algumas homenagens aos pracinhas realizadas por clubes esportivos, durante as partidas, e mostrou os poucos estádios que fazem referência à FEB, a exemplo do Estádio Expedicionário de Macaé, no Rio de Janeiro; Estádio Municipal dos Expedicionários de Salto Grande, em São Paulo; e a “curiosa” placa afixada na entrada do Estádio Municipal do Pacaembu, uma homenagem do Uruguai às Forças Expedicionárias do Brasil.

O último a realizar sua palestra foi Lisindo Roberto Coppoli, que enalteceu três heróis brasileiros da FEB: soldado Attilio Piffer, o primeiro militar a morrer em combate, em 21 de setembro de 1944, em Camaiore, vitimado por estilhaços de granada de morteiro durante uma progressão; Hilário Décimo Zanesco, último militar a morrer em combate, no dia 28 de abril de 1945, em Collechio, vitimado pela explosão do jipe em que estava; e o capitão Ernani Ayrosa da Silva, que comandava as ações nas quais morreram Attilio e Hilário. Foi Ayrosa quem iniciou a participação do Brasil na guerra com a tomada de Camaiore.

Encerrando a reunião, Edimara parabenizou a participação dos três convidados, agradecendo-os pela contribuição, e declarou que “sem memória afetiva, não existe tradição”, instigando a plateia a refletir sobre essa “dívida que a sociedade brasileira tem para com a FEB”. “Qual a memória que estamos deixando para as outras gerações?”, questionou.

Esta reunião também foi transmitida via Plataforma Zoom, e contou com a presença de João Tomás do Amaral, presidente do IHGSP, que é membro do COCCID e esteve na frente de honra ao lado de Edimara de Lima.

Veja as fotos: flic.kr/s/aHBqjCeUxb

Por ACSP - 21/05/2025