As empresas e os cidadãos brasileiros precisam, em suas rotinas diárias, cumprir obrigações burocráticas, seja para manter um negócio ou para procedimento que depende de contato com um órgão público. Forma tradicional de atuação dos governos, a burocracia precisa se basear em regras estáveis e impessoais, que permitam o funcionamento da máquina. É assim no Brasil e no mundo.
Algumas nações procuram simplificar isso ao máximo, baseadas na tradição de liberdade do setor privado e da população. Outros países priorizam não apenas o controle do Estado sobre os atos dos cidadãos, como limitam a autonomia e a capacidade de tomada de decisões da sociedade. É o caso do Brasil, que mantém, desde sua colonização, tradição intervencionista e controladora, em que regras e normas caracterizam o Estado como um poder que concede direitos dos cidadãos e negócios. Estes, mesmo assegurados pela Constituição, estão subordinados aos controles da burocracia excessiva, que é uma face visível, e perversa, dos governos. É como se o controle em si fosse a finalidade, em vez de ser um meio para o funcionamento eficiente da economia e a melhoria do bem-estar da população.
Atos corriqueiros exigem procedimentos incompatíveis com a natureza da operação e com as tecnologias da informação e da comunicação. No livro “A Sociedade de Confiança”, o sociólogo francês Alain Peyrefitte destaca o papel decisivo do fator mental no desenvolvimento econômico, e manifesta a convicção de que o elo social mais forte e mais fecundo, que conduz ao progresso, é aquele que tem por base a confiança. Para o Brasil reduzir a burocracia para um patamar necessário e aceitável é preciso estabelecer confiança recíproca entre cidadãos, governo e sociedade. Não se pode imaginar o funcionamento do mercado sem confiança entre todas as partes.
Estabelecida a confiança, o primeiro passo é parar de criar exigências e depois liberalizar a economia brasileira, classificada pelo estudo Doing Business/Banco Mundial como uma das mais intervencionistas e onerosas entre as nações de renda média e alta. Atualmente há três projetos na Câmara dos Deputados que podem piorar esse cenário, pois, embora teoricamente possam visar ao aprimoramento de normas e procedimentos, na verdade representam mais intervenção, burocracia e custos para empresas e consumidores.
O PL 10.044/2018 é um deles, estabelecendo que “os atos constitutivos das pessoas jurídicas deverão ser formalizados em escritura pública lavrada por tabelião de notas e visadas por advogados.”, o que resultará em mais demora e custo para abrir empresa. Já o PL 10.940/2018 “permite o protesto de qualquer prova escrita de dívida, ainda que sem eficácia de título executivo e sem assinatura do devedor, como nota fiscal, boletos bancários, incluindo os emitidos eletronicamente.” Se virar lei vai gerar insegurança jurídica e elevar o número de protestos indevidos, prejudicando as micro e pequenas empresas, que não têm condições de pagar para discutir depois.
Os cartórios são importantes para o sistema de registros, mas é inaceitável aumentar suas prerrogativas burocratizando ou onerando ainda mais as atividades. O que é preciso fazer agora é revisar penduricalhos que oneram as taxas cartoriais, destinados a finalidades estranhas aos serviços prestados, e que representam tributação disfarçada sobre os usuários.
O PL 8621/2017 cria o Serviço Social e de Aprendizagem dos Empregados em Serventia Notarial e de Registro (SESANOR), custeado por uma taxa de 3% sobre a folha de pagamentos da serventia notarial ou de registro, entre outras fontes. Seria mais um órgão com custo suportado pelos usuários dos serviços.
Precisamos deixar a economia mais livre, fluir, seguir seu curso natural. Está mais do que constatado que intervenção estatal e excesso de burocracia não beneficiam o Brasil, mas o emperram, o impedem de deslanchar.
Marcel Solimeo, economista, presidente do Instituto de Economia Gastão Vidigal da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e superintendente institucional da entidade.
Por ACSP