Boletim de Conjuntura Abril/2019: Previdência Semi-Desidratada

Previdência Semi-Desidratada

No final da semana passada, o relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara de Deputados, Deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou seu parecer sobre a proposta enviada pelo Governo Bolsonaro ao Congresso. Tal como sugerido em palestra proferida pelo mesmo relator na reunião conjunta do Conselho Político e Social (COPS) e do Conselho de Economia (COE) da Associação Comercial de São Paulo, sua “contraproposta” manteve praticamente inalterados os principais eixos, do ponto de vista fiscal, da versão original: a idade mínima de aposentadoria e a regra de cálculo do benefício previdenciário.

Apesar disso, o parecer retira da reforma os pontos mais suscetíveis de resistência à aprovação por parte dos congressistas: as mudanças nas regras para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da aposentadoria rural, a introdução do sistema de capitalização e a extensão das novas regras para servidores estaduais e municipais.

Com relação aos dois primeiros itens, estudos da Instituição Fiscal Independente (IFI) estimam que o impacto fiscal da manutenção desses dois benefícios de caráter assistencial não seria demasiado importante, embora do ponto de vista da equidade, se perpetue a desigualdade em relação aos aposentados urbanos de mesmo estrato sócioeconômico, sujeitos a regras mais estritas para a concessão da pensão. Na verdade, isso, conjuntamente com propor regras de transição mais brandas para os servidores públicos, fere outro grande pilar da proposta governamental, que era justamente reduzir a desigualdade imperante há décadas no sistema previdenciário.

Em termos da retirada da capitalização, perde-se a oportunidade de modificar o atual sistema de repartição, em que os profissionais em idade ativa financiam os aposentados, que tende a tornar-se inviável face ao envelhecimento acelerado da população brasileira, por outro, que além de contribuir para a educação financeira da população, aumentaria a poupança nacional, essencial para o financiamento dos investimentos produtivos e em infraestrutura.

A modificação mais preocupante foi a exclusão de estados e municípios da reforma, onde justamente, no caso dos primeiros, se concentra um dos maiores déficits, cujo valor futuro (atuarial), segundo cálculos dos especialistas Paulo Tafner e Predro Nery, alcançaria a alarmante cifra de quase R$ 5 trilhões, ou seja cerca de 70% do PIB brasileiro de 2018! Além da incapacidade generalizada de pagar as aposentadorias de seus servidores, que já existe no momento atual no caso de vários entes subnacionais, essa “bomba relógio” impactaria severamente os resultados do Tesouro, que, como de hábito, seria chamado para o “resgate” de seus governos, reduzindo a potência fiscal de toda reforma.

A economia de recursos públicos, na verdade, até o momento, se retirarmos a realocação de parte do saldo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as receitas previdenciárias, que tem efeito puramente contábil, e a elevação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, cujas receitas não necessariamente seriam utilizadas para financiar o pagamento de benefícios previdenciários, chegaria a R$ 863,4 bilhões em 10 anos, muito abaixo dos R$ 1,2 trilhão pretendidos pelo Ministro Paulo Guedes.

O mercado reagiu relativamente bem ao parecer do Deputado Samuel Moreira, pois já se esperava uma “desidratação” próxima ao que, até agora, ocorreu. Também não se pode deixar de considerar a fraca base de apoio político do Governo para a aprovação de uma reforma de tal envergadura. Esperemos que a reforma da Previdência seja aprovada, sem que se siga adiante com esse processo de “desidratação”, possibilitando pelo menos o início de um profundo ajuste fiscal, que provavelmente demandará novas mudanças nas generosas regras previdenciárias brasileiras. Às vezes, como reza o ditado popular, “o melhor é inimigo do bom”.

 

Análise da Conjuntura

1. Moeda, Crédito e Inflação

  • Inflação, medida pelo IPCA, em abril, arrefeceu em termos mensais, porém acelerou sua variação anual (12 meses) para patamar ainda mais acima da meta perseguida pelo Banco Central.

 

  • Em abril, crédito à pessoa física segue aumentando de forma gradual, ao corrigir-se os valores pela taxa de inflação (IPCA).

 

  • Taxa de juros média do crédito concedido à pessoa física e inadimplência continuaram sendo menores do que os valores registrados em março do ano passado.

 

2. Atividade Econômica e Emprego

  • Em março, a atividade industrial caiu, em relação ao mesmo mês de 2018, afetada pelo fato de contar com dois dias úteis a menos. Houve leve queda em termos anuais (12 meses), marcando o primeiro resultado negativo desde agosto de 2017.

 

  • Confiança do consumidor seguiu aumentando levemente em abril, em relação a março, porém sinalizando que as famílias continuam cautelosas na hora de gastar.

 

  • No mesmo mês, desemprego diminuiu modestamente em relação a igual mês do ano passado, mantendo-se em patamar elevado. A massa de rendimentos, que corresponde à renda total habitualmente recebida no mercado de trabalho, seguiu aumentando pouco acima da inflação. Empregos com carteira assinada voltaram a subir, após 4 anos, porém a informalidade e o subemprego ainda permanecem altos.

 

  • Em março, na comparação interanual, as vendas do varejo mostraram queda, também influenciadas pelo “efeito calendário” anterior, apresentando perda de ritmo de crescimento em termos anuais (12 meses).

 

  • Impacto negativo do mesmo “efeito calendário” foi menor no caso do setor serviços, que, em março, que segue mostrando tendência de leve recuperação.

 

  • No mesmo mês, refletindo as evoluções do varejo, dos serviços e da indústria, Indicador de atividade do Banco Central (IBC-BR) apresentou alta anual (12 meses) próxima ao crescimento econômico de 2018.

 

3. Finanças Públicas

  • Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) registrou superávit fiscal primário (excesso de receitas sobre despesas não financeiras), em abril, acima do saldo positivo observado em igual mês de 2018.

 

  • Principal causa desse resultado é a dificuldade, por razões de “engessamento” orçamentário e de fluxo de pagamentos, por parte principalmente das Pastas da Saúde, Educação e Defesa do Governo Federal, de gastar toda a verba autorizada (“empoçamento”).

 

  • Despesas financeiras seguiram aumentando em relação a igual mês do ano passado, devido às perdas do Banco Central com as operações de swap cambial, geradas pelos aumentos da taxa de câmbio.

 

  • Como consequência das maiores despesas financeiras, resultado nominal (total), em abril, foi mais negativo do que aquele registrado no mesmo mês de 2018.

 

  • Para financiar esse maior “rombo” fiscal, Governo elevou ainda mais seu grau de endividamento, marcando novo recorde histórico, que alcançou a quase 80% do PIB.

 

4. Setor Externo

  • Em abril, superávit da balança comercial (excesso de exportações sobre importações de mercadorias) apresentou leve alta em termos anuais.

 

  • Houve recuo no acumulado dos primeiros quatro meses, com quedas tanto nas exportações como nas importações, em decorrência da desaceleração global e da fraqueza da recuperação da atividade econômica interna, respectivamente.

 

  • No mesmo mês, excesso de saídas sobre as entradas de moeda estrangeira por conceito de serviços e rendas (déficit da balança de serviços e rendas) subiu ligeiramente.

 

  • No período janeiro-abril esse déficit foi menor, tanto pela redução das viagens ao exterior, devido à maior cotação do dólar, como pelas menores saídas associadas ao aluguel de equipamentos, remessa de lucros e  pagamentos de juros, também impactados pela fraca recuperação da economia brasileira.

 

  • Em 12 meses, resultado da soma das balanças comercial e de serviços e rendas foi negativo (déficit da conta corrente) em 0,73% do PIB, representando necessidade de financiamento externo do País, mais do que coberta pela entrada de capitais financeiros internacionais de longo prazo (investimento direto no país – IDP) correspondentes a 4,96% do PIB, estabelecendo novo recorde.

 

  • A alta do dólar observada em abril reflete mais o agravamento da “guerra comercial” entre Estados Unidos e China e a desaceleração global. As incertezas sobre a aprovação da reforma da Previdência também alimentaram especulações no mercado cambial, mas podem ceder a depender da evolução das votações no Congresso.

 

5. Síntese da Conjuntura Econômica

  • Desempenho da atividade econômica no primeiro trimestre sugere mais enfraquecimento do que o esperado. Empresários só voltarão a investir produtivamente e gerar novos empregos se houver perspectiva de ajuste fiscal, que começa pela reforma da Previdência.

 

  • Inflação (IPCA) deve continuar cedendo ao longo dos próximos meses, fato que, somado à elevada ociosidade da economia, aumenta a chance de corte na taxa básica de juros (SELIC) por parte do Banco Central.

 

  • Grau de endividamento do Governo segue crescendo, seguindo trajetória de insolvência fiscal generalizada, a menos que o aumento das despesas públicas, principalmente previdenciárias, seja contido.

 

  • Contas externas seguem equilibradas, com necessidade de financiamento externo mais do que satisfeita pela entrada de capitais financeiros de longo prazo, situação que tende a se manter durante todo o ano.

Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal