Boletim de Conjuntura Outubro/2019: Os "Dois Lados" do Câmbio

Os “Dois Lados” do Câmbio

 

Durante os últimos três meses, a cotação do dólar vem se elevando para níveis acima de R$ 4,00, levando, inclusive a um aumento das expectativas da taxa de câmbio por parte dos analistas que o Relatório FOCUS do Banco Central consulta semanalmente. Quais seriam as causas dessa evolução e quais poderão ser os efeitos sobre a economia brasileira.

Analisando a evolução das contas externas, nota-se que as exportações de bens têm sofrido importante queda em relação a outubro do ano passado, devido principalmente à crise da Argentina, o maior comprador de manufaturados brasileiros, e à desaceleração da economia mundial, que derruba os preços das principais matérias primas vendidas no exterior. Além da menor oferta de dólares resultante da redução desses embarques, as importações têm apresentado elevação, o que aumenta a procura por moeda estrangeira.

Do ponto de vista dos capitais financeiros, a contínua redução da taxa de juros básica (SELIC), num contexto de inflação baixa, restringe o ganho dos investimentos direcionados a instrumentos de renda fixa, diminuindo seu ingresso, o que também significa menos oferta de dólares.

Some-se a tudo isso a frustração com o resultado dos leilões do Pré-Sal, que significou menor perspectiva de entrada de capitais de longo prazo, alimentando expectativas de desvalorização do Real, o que alimenta a demanda de moeda estrangeira, tanto por especulação como por cobertura, sem contar com o reforça desse efeito dado pela troca de dívida em moeda estrangeira por nacional por parte de grandes empresas, na esteira do desenvolvimento do mercado de debêntures.

Em outras palavras, a taxa de câmbio aumentou pela redução na oferta de moeda estrangeira e pelo aumento de sua procura pelos motivos descritos, embora, no cômputo geral o País não esteja sofrendo de escassez aguda de dólares. Pelo contrário, os capitais financeiros de longo prazo, dirigidos ao investimento produtivo e à aquisição de empresas, seguem ingressando em quantidade muito mais do que suficiente para financiar o “rombo” externo.

Como comumente acontece em economia, tem-se os “dois lados da moeda”. Pelo positivo, o Real mais desvalorizado barateia a produção nacional tanto vendida no exterior como aquela que concorre com os importados, o que, ao longo do tempo, deveria servir para ir diminuindo esse “rombo”, além de estimular a atividade econômica, contribuindo para sua recuperação. Pelo negativo, as maiores cotações do dólar encarecem insumos e componentes importados e produtos cujo preço também depende do mercado internacional (alimentos, combustíveis, etc), o que poderia gerar pressões inflacionárias.

No momento, dada a ociosidade da economia brasileira, tende a prevalecer o “lado” positivo da maior taxa de câmbio, pois a fraqueza das vendas inibe o repasse ao preço final. Sendo assim, a maior cotação do dólar, no momento, constitui, ao lado dos juros menores, elemento importante para a recuperação da atividade industrial a partir do ano que vem, promovendo a tão esperada aceleração do crescimento econômico.

 

Análise da Conjuntura

 

1. Juros, Crédito e Inflação

*Inflação, medida pelo IPCA, em outubro, apresentou leve alta em relação a setembro, desacelerando em termos anuais, ficando em patamar mais abaixo ainda da meta perseguida pelo Banco Central.

*Em setembro, crédito à pessoa física segue em trajetória anual predominantemente ascendente.

*Taxa de juros média do crédito concedido à pessoa física ficou acima do registrado em outubro do ano passado, enquanto a inadimplência permanece relativamente estável.

*No mesmo mês, COPOM reduziu a taxa básica de juros (SELIC), sinalizando possibilidade de nova redução na última reunião do ano.

 

2. Atividade Econômica e Emprego

*Em setembro, a atividade industrial registrou nova alta, em relação ao mesmo mês de 2018, contando com dois dias úteis a mais. Em termos anuais, a contração do setor perdeu intensidade.

*Confiança do consumidor aumentou em outubro, em relação ao mês anterior, porém consumidor segue cauteloso, apesar de observar menor número de desocupados.

*Em setembro, desemprego seguiu diminuindo levemente em relação a igual mês do ano passado, mantendo-se ainda elevado. A massa de rendimentos, que corresponde à renda total recebida no mercado de trabalho, seguiu aumentando muito pouco acima da inflação.

*Vendas do varejo também cresceram em setembro, influenciadas de forma positiva pelo “efeito calendário” anterior, voltando a acelerar em termos anuais.

*Mesmo “efeito calendário” também afetou positivamente o volume de serviços prestados, acelerando levemente em termos anuais.

*Refletindo as trajetórias do varejo, dos serviços e da indústria, Indicador de atividade do Banco Central (IBC-BR) apresentou elevação, em setembro, na  comparação com o mesmo mês de 2018, sinalizando crescimento anual próximo ao registrado nos dois últimos anos.

 

3. Finanças Públicas

*Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) registrou déficit fiscal primário (excesso de despesas não financeiras sobre receitas), em setembro, abaixo do esperado e do observado em 2018.

*Principal causa desse resultado foi o aumento de receitas extraordinárias, decorrentes do pagamento de dividendos da Caixa Econômica Federal e BNDES ao Tesouro, devido à mudança de sua política de distribuição.

*Despesas financeiras foram maiores do que as registradas no mesmo mês do ano passado, devido às “perdas” do Banco Central com as operações de swap cambial, frente à elevação da taxa de câmbio.

*Como consequência das maiores despesas financeiras, resultado nominal (total), em setembro, foi maior, na comparação com o mesmo mês de 2018.

*Apesar da piora dos resultados fiscais, o grau de endividamento público recuou em relação ao mês anterior, devido à redução das reservas internacionais, conjuntamente com seu custo de “carregamento”, e às devoluções do BNDES ao Tesouro.

 

4. Setor Externo

*Em outubro, superávit da balança comercial (excesso de exportações sobre importações de mercadorias) apresentou forte diminuição em termos anuais, em parte explicada por mudanças metodológicas, mastambém pelo intenso recuo das exportações, devido à desaceleração global e à redução dos preços das commodities vendidas no exterior, somado ao aumento das importações.

*Deterioração da balança comercial foi, no mesmo mês, a principal causadora do expressivo aumento do déficit em conta corrente (excesso de importações sobre exportações de bens e serviços), em relação ao ano passado, também determinado pelos maiores pagamentos de serviços ao exterior.

*Entrada de capitais financeiros de longo prazo (Investimento Direto no País – IDP), em outubro, registrou aumento em termos anuais.

*Situação externa continua solvente com entradas de capitais de longo prazo mais do que suficientes para financiar o déficit da conta corrente.

 

5. Síntese da Conjuntura Econômica

*Atividade econômica continua se recuperando em ritmo lento durante os primeiros nove meses do ano, porém mostrando leve aceleração na margem, refletindo os efeitos positivos da recuperação da confiança, redução dos juros e liberação de FGTS e PIS-PASEP.

*Inflação (IPCA) deve seguir abaixo da meta perseguida pelo Banco Central, o que aumenta a chance de nova redução da taxa básica de juros (SELIC) na última reunião do ano do COPOM.

*Resultados fiscais apresentaram piora em setembro, porém sem que se comprometa o cumprimento da meta fiscal anual, que deverá ocorrer com folga, sem que, contudo, se reverta, pelo momento, a trajetória desfavorável do endividamento público.

*Apesar da deterioração da balança comercial, contas externas seguem solventes, com entrada de capitais financeiros de longo prazo mais do que suficientes para cobrir as necessidades de financiamento externo do País, tendência que deve manter-se ao longo do resto do ano, se não houver maior aversão ao risco por parte dos investidores internacionais.

Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal