Brechós crescem e podem pegar lugar das fast fashion

Em meio à maior pandemia da história mundial recente, qual é o comerciante que não sonha em ver a loja novamente lotada de clientes antigos e novos e até filas nos caixas.

Atender de 350 a 400 clientes por dia durante a semana e de 600 a 700 clientes aos sábados fica apenas na imaginação, ainda mais para quem trabalha com roupas e acessórios.

Na casa número 8 de uma pequena vila localizada na Rua Heitor Penteado, 1.096, em São Paulo, porém, os números citados acima são pura realidade desde setembro.

Ali, a empresária Denise Pini dá inveja a muitos empresários. Ela toca há cerca de 30 anos a Capricho à Toa, brechó de roupas usadas que, de acordo com ela, vai bem com ou sem crise.

“Comecei em 1991 com 60 metros quadrados. Hoje, a loja ocupa quatro sobrados com 600 metros quadrados. O brasileiro aderiu aos brechós e, com a crise, mais ainda”, afirma.

O mercado de roupas de segunda mão, diz ela, nunca parou de crescer, mas, assim como ocorreu com o e-commerce, foi impulsionado com a pandemia do novo coronavírus.

De junho até agora, o faturamento da loja, que tem 33 mil fornecedores e 150 mil clientes cadastrados, subiu 30% em relação a igual período do ano passado.

“A pandemia acelerou tendências, como a expansão do e-commerce e do home office”, diz Tadeu Attolini de Almeida, fundador da Repassa, plataforma que faz a intermediação de coleta e venda de roupas usadas.

De maio a julho, as vendas por meio do Repassa subiram 80% em relação aos meses imediatamente anteriores e triplicaram na comparação com igual período de 2019.

Por meio de um programa chamado Sacola do Bem, a Repassa recebe cerca de 100 mil peças por mês e comercializa 20 mil peças mensais. Tudo por meio da plataforma.

São peças de grifes mais desejadas pelos consumidores e também sem marca, com preços que vão de R$ 10 a R$ 1.000.

O tíquete médio de compra da plataforma aumentou 10% neste ano. E isso quer dizer, de acordo com Attolini, que as peças estão ficando menos tempo em estoque.

CONSUMIDOR CONSCIENTE

A crise e a conscientização cada vez maior da população em relação meio ambiente e ao desperdício são as principais razões para o aumento das vendas de usados.

Pesquisas revelam que o ciclo de vida médio de uma peça é de sete lavagens, só que, em média, ela consegue suportar 50 lavagens.

“Isso significa que dá para multiplicar por quase sete o uso, diluindo o impacto da produção no meio ambiente, já que indústria da moda é uma das mais poluidoras do mundo”, diz Attolini.

Depois da pandemia, a clientela da Capricho à Toa mudou. As mulheres com mais de 60 anos estão mais em casa, mas a loja continua cheia, e agora de consumidores até 25 anos.

NOS EUA

Pesquisa da GlobalData divulgada por um dos maiores brechós on-line dos Estados Unidos, o thredUp, revela que o mercado de roupas de segunda mão já cresce mais do que o do varejo em geral.

Em 2019, as vendas dos brechós nos EUA subiram 49% sobre igual período do ano anterior e as do varejo em geral, 2%.

O levantamento também identificou que quatro em cada cinco consumidores estão dispostos a comprar roupas usadas na medida em que o orçamento aperta.

Mais: duas em cada três das pessoas que nunca venderam as próprias roupas (82%) estão abertas a fazer isso para ganhar dinheiro, principalmente.

SECOND HAND X FAST FASHION

A previsão é que o mercado de roupas de segunda mão, que foi de US$ 28 bilhões nos EUA em 2019, deva atingir US$ 64 bilhões em cinco anos e que, até 2029, ultrapasse o de fast fashion.

No Brasil, a participação de produtos usados no faturamento total do varejo brasileiro é incipiente, devendo atingir 0,018% neste ano, de acordo com projeção da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Entre 2008 e 2018, o faturamento nominal do varejo brasileiro cresceu 199% e o da venda de produtos usados, 132%, de acordo com dados do IBGE.

A rede espanhola Zara foi uma das protagonistas do surgimento da chamada moda rápida, copiada por varejistas do mundo todo.

As irmãs Julia e Gabriella Wolff, sócias-proprietárias da Daz Roupaz, aberta há cerca de cinco anos, já tinham a certeza de que o mercado de second hand era bom para investir.

No início deste ano, decidiram dar mais um passo ao estrear no e-commerce. Tudo indica que, mais uma vez, elas acertaram o caminho.

Projeções feitas com base na pesquisa da GlobalData indicam que as vendas de produtos usados pela internet devem crescer perto de 70% de 2019 a 2021.

O varejo em geral, ao contrário, deve encolher algo perto de 15%, no mesmo período. 

“Com a pandemia, diminuiu o número de pessoas dentro da loja, mas, dependendo do mês, conseguimos com a venda on-line até aumentar o faturamento em relação ao ano passado. Com a crise, os consumidores olham muito mais para os brechós”, diz Julia.

A maioria das peças da loja das irmãs Wolff, localizada na Rua Arthur de Azevedo, custa entre R$ 40 e R$ 60, e são geralmente roupas da estação.

CLASSES SOCIAIS

Engana-se quem acha que os brechós são frequentados somente por pessoas com baixo poder aquisitivo. “Temos clientes de todas as classes sociais”, diz Julia. 

Para atender a clientela, elas compram cerca de 400 peças por dia, podendo chegar a 600 unidades, entre shorts, camisetas, saias, vestidos, blusinhas e até perfumes.

Os fornecedores da Daz Roupaz são basicamente os próprios clientes.

As pessoas, diz ela, querem cada vez mais participar do movimento a favor da circulação de roupas, e não deixá-las mofando dentro do armário.

A pesquisa divulgada pela thredUp constatou que, em 2018, 56 milhões de mulheres compraram produtos de segunda mão nos EUA e, em 2019, 62 milhões.

“A pandemia fez com que as pessoas refletissem mais em relação à poluição e ao consumo consciente, o que privilegia o nosso negócio”, diz Attolini.

Diferentemente do que acontecia no passado, os consumidores agora têm orgulho de comprar peças usadas.

A aquisição de produtos não sustentáveis começa a criar sentimento de culpa ou vergonha.

De acordo com a GlobalData, no armário do futuro, as peças usadas deverão ter participação de 17%, o que está previsto para 2029. Em 2019, esse percentual foi de 7% e, em 2009, de 3%.

CONTRAPONTO

Cristina Zemella, dona do brechó Armário da Vizinha, já não está tão entusiasmada com o seu negócio, pelo menos neste ano de pandemia.

“Os meus fornecedores sumiram. Como não compraram roupas novas, não se desfizeram das velhas. Além disso, estão com medo de sair de casa”, diz.

Quem aparece para vender roupas, diz ela, traz peças ruins, velhas, puídas, impedindo a loja de ter produtos de qualidade, como era de costume.

Cristina não vende pela internet e considera este canal de venda mais difícil por se tratar de peças usadas. “Pode gerar muita troca, não vale a pena”, afirma.

Para dar mais movimento à loja, Cristina reduziu a média de preços dos produtos de R$ 12 a R$ 50 para de R$ 5 a R$ 30.

Por esses preços, o cliente pode comprar calças jeans, camisas e camisetas de marcas como Le Lis Blanc, M Officer, Zoomp, Maria Filó, Cavalera e John John, por exemplo.

Paulo Henrique Domingues, sócio-proprietário do brechó Kalixto, também está desanimado com o seu mercado.

Com a pandemia, as vendas da sua loja caíram pela metade, e até agora não se recuperaram. “O povo está sem dinheiro”, diz ele, que vende peças de R$ 10 a R$ 30, em média.

O que prejudicou muito o seu negócio foi o fechamento da feira da Praça Benedito Calixto, que acontecia aos sábados, pois a sua loja fica bem próxima dali.

“Pensei em fechar a loja várias vezes, mas o emprego por aí está difícil.”

Para ele, o cenário não deve mudar no curto prazo. “A pessoa fica em casa de chinelo e moletom. Para quê vai querer comprar roupas?”

Omar João Zacarias, que atua no setor de móveis usados para residências, diz que o mercado reagiu a partir de setembro, mas há dez dias voltou a esfriar.

“Quando o consumidor escuta muita notícia ruim, ele fica retraído. Se jogar mais otimismo no mercado, ele aquece.”

 

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Por ACSP