Representantes do setor portuário se reuniram dia 8/3 na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para propor alterações na Resolução Normativa 18/2017 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que trata dos direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso.
O encontro contou com a presença de Mário Povia, diretor da Antaq, e outros integrantes do corpo técnico do órgão regulador. Foi organizado pelo Comitê dos Usuários de Portos e Aeroportos (Comus) da ACSP.
Em vigor desde 27/12/2017, a RN 18 tem gerado debates entre usuários, agentes intermediários e operadores dos portos, que pedem a revisão de pontos da normativa. Os críticos do texto apontam que ele adota conceitos ultrapassados, linguagem vaga, não trata com isonomia todos os atores do comércio marítimo e interfere além da conta na regulação do mercado. “Muito embora a norma tenha passado por todo um processo de oitiva, audiências e consolidação, entendemos que, se for necessário, e se chegarmos a um acordo, não há problema nenhum em fazer uma revisão”, disse Povia.
De acordo com José Cândido de Almeida Senna, coordenador do Comus/ACSP, a intenção dos debates é minimizar áreas de conflito, dar segurança jurídica ao setor e promover maior transparência nas informações, de forma a facilitar os processos logísticos e as tomadas de decisão de donos de mercadorias. “Donos de mercadorias são os donos do negócio. Prestadores de serviços, portos, terminais: todas as demandas por esses serviços derivam da demanda pelas mercadorias”, afirmou.
Multimodal
Ponto primordial na avaliação dos usuários é a inclusão, no artigo primeiro da RN 18, do transporte multimodal. De acordo com Senna, embora a resolução foque no transporte aquaviário, ela incorpora interseções muito claras com o transporte multimodal. “Na medida que a RN fala das operações que antecedem o movimento porto a porto, que ela tece considerações que precedem o porto e que sucedem o porto no destino, torna-se necessário incorporar o transporte multimodal na norma”.
O coordenador do comitê ressalta, que, contudo, para a livre contratação do transporte multimodal, os exportadores e importadores precisam ter acesso a informações hoje não disponibilizadas pelas empresas prestadoras de serviços - em especial para os de micro, pequeno e médio portes.
“Para que o multimodal seja de fato uma opção interessante, o empresário tem que se perguntar: e se eu contratar cada segmento da cadeia logística per si? Quais são os valores de referência que terei em termos de preço de serviço logístico numa perspectiva porta a porta e tempos de trânsito? Então, no nosso entendimento, temos que ter acesso a informações que nos permitam elaborar planilhas com as questões básicas que condicionam a competitividade dos sistemas logísticos”, aponta Senna.
Preço eletrônico
Nesse sentido, os usuários defendem que, por meio da Antaq, até mesmo em função da grande concentração do segmento em poucas empresas, podendo caracterizar inclusive a prática de cartel, todos os preços sejam publicados eletronicamente para que os exportadores e importadores - em especial os de menor porte - possam organizar sua operação logística de maneira mais competitiva. “O mundo já é digital. E estão reagindo para uma operação para a qual talvez não estivesse preparados”, opinou o coordenador do Comus/ACSP.
Wilson Braun, vice-presidente do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Carga e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis), discordou. “Quando você fala de serviços multimodais, esse é um produto. Se eu quero, como usuário, segmentar o meu produto, tudo bem. Mas não cabe à RN 18 dar direito”, disse Braun, argumentando ainda que, quando o exportador ou importador contratam um agente intermediário, um NVOCC ou um armador, ele está contratando um pacote fechado e está sujeito aos custos desse pacote.
Senna reforçou que o usuário precisa ter a liberdade logística para escolher a opção mais competitiva para a movimentação de sua mercadoria, o que hoje lhe é impedido em função do custo e da forma hermética como as informações necessárias para a operação logística estão disponibilizadas. Logo, caberia regulação da agência.
O diretor da Antaq explicou que a regulamentação do transporte multimodal é uma atribuição legal exclusiva da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mas não descarta a adoção de algum mecanismo conjunto entre as duas agências, como um acordo de cooperação, por exemplo, para atuar nesse sentido.
Polêmica
O parágrafo primeiro do artigo 27 da RN 18 tem sido o maior ponto de convergência e divergência entre usuários e operadores do transporte marítimo. A convergência é que todos entendem que o dispositivo que exige a utilização do SISBACEN como padrão de referência para a conversão de frete em moeda estrangeira não deveria estar na norma. A divergência fica por conta de quem deverá arcar com os riscos da flutuação cambial. “É uma grande briga. Sabemos que a Antaq não vai eliminar essa regra”, comentou Claudio Eidelchtein, assessor da Câmara Municipal de Santos e secretário-geral da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP. Ele tem colaborado como mediador das várias partes na sugestão de mudanças ao texto da RN 18.
Conforme discutido pelos participantes da primeira reunião sobre o tema promovida pelo Comus/ACSP, em 6/2/2018, sugeriu-se à Antaq uma variação de até cinco por cento da tabela do SISBACEN. Eidelchtein reforçou que a agência - assim como o próprio Banco Central - não tem competência para normatizar câmbio. O artigo é baseado num decreto tributário da década de 1950, que nada tem relação com comércio marítimo.
“Esse é um dos pontos que mais criaram polêmica em todas as nossas discussões”, sustentou o vice-presidente do Sindicomis e também da Associação Nacional das Empresas Transitárias, Agentes de Carga Aérea, Comissária de Despachos e Operadores Intermodais (ACTC). Ele comentou que, nas discussões internas no âmbito do sindicato, também se chegou ao percentual de cinco pontos, e deixou claro que esse valor não representa um ganho financeiro para o agente embarcador. “Ninguém quer ganhar. A gente só não quer perder. A ideia aqui não é um ganho cambial, mas uma proteção cambial”.
No entendimento de André de Seixas, diretor-presidente da Associação dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro (Usuport-RJ), o prestador de serviço tem que estar sujeito ao risco da variação. “Eu acharia muito bom se você mandasse para o usuário com o qual você fez o hedge cambial de 5%, o fechamento do câmbio. Aí você devolveria o dinheiro para ele”, sugeriu, apontando que isso ajudaria o dono da mercadoria inclusive com o Siscoserv.
“O importador fecha um câmbio a R$ 2,30. Quando a mercadoria chega, ele vai fazer o valor aduaneiro da nacionalização, e o câmbio está a R$ 2,40 - é ele quem assume o prejuízo. Da mesma forma o exportador. O mercado hoje evoluiu com práticas de hedging: swap cambial, notas MDF etc. Então, se o importador e o exportador correm o risco cambial, por que o prestador de serviço não pode?”, questionou Senna.
Por Comitê dos Usuários dos Portos e Aeroportos do Estado de São Paulo